A Experiência do Perdão

Dias atrás ao escutar uma experiência da época da infância de uma cristã que, em sua cidade natal, ouvia na Semana Santa passar as pessoas batendo as portas e chamando o povo para se converter pensei em nossa caminhada nestes últimos tempos: passamos de uma tradição cristã que nos chama a uma nova vida para esta época em que pouco a pouco se foi destruindo a noção de pecado. Essas idéias entraram em nós com tanta força que até mesmo a celebração penitencial deixou de ser o grande momento de alegria da graça de Deus na vida do pecador - basta ver a diminuição da frequência da confissão.

É claro que muitas situações antigas dependiam da cultura e situação da época. Cabe a nós hoje discernirmos os caminhos para que esse chamado seja uma presença que interesse às pessoas: que experimentem que vivendo uma vida de conversão é que serão verdadeiramente felizes. Conversão significa a mudança de vida e de mentalidade. Isso supõe arrependimento, contrição, coragem de voltar ao Pai e pedir perdão! O grande desejo de Deus é que todos busquem a perfeição de vida e se convertam, tendo em vista a vida nova em Cristo agora e na eternidade. Deus não quer que o homem pereça no seu pecado. Ele providenciou um "remédio". Na pessoa do seu Filho Eterno, Ele tomou a nossa natureza sobre si (em outras palavras, tornou-se homem), e então, como Deus e como Homem, tornou-se o mediador entre Deus e os homens, e, ao morrer na cruz pelos pecados do homem, redimiu o homem e lhes deu uma "Nova Vida".

Converter-se é deixar de viver longe de Deus. Sair do estado de infelicidade, deixar o pecado. Conversão consiste em voltar para o Senhor com todo coração, retomar o caminho das suas veredas. A conversão significa uma profunda mudança de coração sob o influxo da Palavra de Deus. Essa transformação interior exprime-se nas obras e, por conseguinte, na vida inteira do cristão. A conversão significa a vitória sobre o "homem velho" que está enraizado no mal (a existência carnal) e o começo de uma vida nova (a vida no Espírito) criada e governada pelo Espírito Santo de Deus. Converter-se é deixar de viver na mentira. Quem se converte afasta-se da mentira. O pecado é mentira. Por isso, a conversão requer uma mudança total de mentalidade, um espírito novo, o Espírito da Verdade. A conversão é um ‘sim' &a grave; verdade.

Conversão é à volta à casa do Pai e a entrada no Reino. É a passagem das trevas do pecado para a luz da Graça. O caminho que Deus aponta, conduz a uma conversão séria e autêntica do coração. Deus apela para a liberdade humana e a íntima conversão desta liberdade é obra Sua. Muitos pensam que a misericórdia e o perdão fariam da pessoa alguém que não muda de vida, o que é exatamente o contrário: o verdadeiro arrependimento já é uma mudança radical para uma nova vida. Outros acreditam que apenas a vingança resolve as amarguras e revoltas que gritam nos corações dos homens.

A conversão culmina - é próprio da sua essência - em um novo nascimento, num renascimento do alto, de Deus. A volta à casa do Pai é a reintegração nos direitos de filho. Não é algo que se processa unicamente no exterior, mas é uma ação interior, uma modificação vital, um nascimento pelo Espírito. Para o homem, a conversão é, pois, infinitamente mais que o simples fato negativo de se livrar da escravidão do pecado, porque, para Deus, converter-se é infinitamente mais que perdoar pecados, é fazer o dom de uma vida nova. O homem torna-se filho de Deus.

Se no passado algumas atitudes penitenciais marcaram a nossa história, no entanto, a conversão permanece como necessidade da pessoa humana que precisa respirar uma nova vida e ser feliz! Hoje, como ontem, a pessoa é chamada a fazer a experiência de uma nova vida segundo os planos de Deus. A alegria que brota do interior do coração que busca a Deus faz com que a pessoa seja transparente e coerente em sua existência. Eis o grande dom que ainda hoje necessitamos!

Quando encontramos com Cristo e vivemos uma vida de conversão, as atitudes, comportamentos, conceitos sobre a vida e a dignidade humanas são também novos em nossa vida - aquilo que parece impossível à pessoa humana, na realidade é possível na vida de quem crê. Mais do que proibições, as normas, mandamentos do Evangelho são indicações da verdadeira liberdade e felicidade da pessoa humana.

No Santo Evangelho narrado segundo São Lucas, capítulo 15, vemos que o amor do Pai é o fundamento da atitude de Jesus diante dos homens. Respondendo à crítica daqueles que se consideram justos, cheios de mérito e se escandalizam com a solidariedade para com os pecadores, Jesus narra três parábolas. Refletindo sobre a terceira parábola lucana, vemos que ela tem dois aspectos: o processo de conversão do pecador e o problema do "justo" que resiste ao amor do Pai. Popularmente, nós a conhecemos como "A parábola do filho pródigo ou do Pai misericordioso". Ela nos ensina a destacar a conversão na iniciativa de Deus. Em Sua Misericórdia, Ele prepara e aceita os primeiros sintomas de arrependimento. Como sempre, o Senhor está de mãos estendidas para nós. Quase nos toca, só falta um pequeno gesto nosso para que Ele nos abrace carinhosamente em Seu amor. Seu perdão é completo e sem reprovações. O Reino de Deus exulta de alegria quando um pecador é convertido. Portanto, reconheçamo-nos necessitados de perdão para colhermos as incontáveis graças do Senhor, pois Deus não quer que nenhum dos seus se perca, mas que tenha a vida plena em abundância.

Dom Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ

Fonte: ZENIT. Rio de Janeiro. 06 de junho de 2010. ZP100606.www.zenit.org

VOLTAR

 

"Fazei todas as coisas sem murmurações nem críticas..." Filipenses 2,14